Criado como forma de catarse, sem o objetivo de agradar nem ofender, apenas colocar pensamentos de uma mente "em cacos" para, com isso, encontrar aquele caco mais brilhante, digno do olhar dos deuses!
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
Isso
Preocupa-me o silêncio. Agrada-me mais. Não fosse eu ser-sentinte, estaria feliz de uma liberdade indiferente. Preocupa-me essa algazarra silenciosa que me impede a tristeza. Desculpe-me a franqueza, não sei querer-te mais que a mim, não consigo manter a indiferença fora: olho-te sem ver, com olhos-vidros que refletem dentro de mim aquilo de ti que é tão pouco... Preocupa-me o nada que agora ocupa o seu lugar. O que eu sabia antes que preenchia esse vazio de agora?
Não sei. Nem a mim nem a ti quero saber. Vivo o nada e ele me desfruta. Não há espaço pra mais: o ar ocupa tudo.
terça-feira, 17 de novembro de 2009
16 de novembro de 2009
Ela queria que tudo tivesse sido mentira. Ela queria ter errado por não querê-lo. Ela queria justificar o que fizera. Na impossibilidade disso, chorou. Chorou mais que eu e você e todo o resto. Ela não queria aquele momento magoado, não queria as palavras duras que ouvira e, principalmente, não queria sabê-las verdades incontestáveis. Que fizera? Que fizera dos dois?
As músicas chegaram para libertá-la, as letras para sangrá-la e as lágrimas, as lágrimas secaram para deixá-la acertar, ao menos dessa vez. Cansada de se lamentar de erros que eram só seus, ela se propôs a crescer. Não porque queria, não porque precisava – não pra si -, mas porque o queria como há muito não queria. Ela resolveu melhorar, ela precisava melhorar para ele, para ela e para o que eles poderiam ter sido e não foram.
Começou revendo o que fizera de errado e achou que nada fora certo além do término. Sentiu o coração pulsar dolorosamente. Era demais, era ter que lidar com seus próprios erros e com o fato de que ele, muito provavelmente, não voltaria. Era demais pra ela e ela quis desistir. Não deixaram. Graças a Deus não deixaram.
Pensou em Deus, após tempos de brigas e negação, ela pensou em Deus. Não, eu não sei dizer o Deus da garota. Era dela e pra ela era conforto, era aquela força maior em que acreditamos quando nos damos conta de que precisamos seguir sozinhos. Ela quis e acreditou em Deus aquele dia. De alguma forma, funcionou e não há o que questionar a esse respeito.
Ela procurou ajuda, dessa vez, de peito aberto. Ela precisava de ajuda e a queria como nunca. Ela não estava triste, incrivelmente, ela não estava triste. Apesar da dor, apesar do tamanho da tristeza, ela não se entregou, resistiu à tristeza. Estava cansada da pena que sentia de si. Também não estava feliz. Aquele dia e os seguintes não foram negros nem brancos, foram cinza ou bege ou qualquer outra cor que não signifique. Ela estava lutando contra si e para si. Ela estava se desfolhando, se revelando e descobrindo que não podia ser o que queriam. Nem o que queria. Apenas o que era.
Tenho a impressão de que escrevo demais sobre ser sem nunca ser ninguém, mas não havia outra história. A menina forte de olhos fugitivos e mãos tremulas tomou minha mente e meu coração. Devo dedicar-me a ela e à sua busca pelo ser. Devo repetir-me nesse tema tão piegas de amar e perder e querer ser. Devo tentar, mais uma vez, ser fiel ao que vi e ao que senti quando vi a fortaleza que era a menina – ou que deveria ser – ruir. Devo ser sincera a ponto de dizer que o arrependimento nos olhos dela surgiu ali tão rapidamente que ela não conseguiu reagir. Devo dizer que quis não sê-la para poder apará-la. Eu devo ser honesta aqui e dizer que foi tudo tão rápido, tão verdadeiro e tão repentino que ela não teve tempo de vestir a máscara, não teve tempo de se fazer forte, ela não teve tempo, entendeu?
Sofri, com ela, cada minuto angustiante do dia 16. Não havia ninguém lá. Estava cheio, sempre há os amigos, mas ela não tem ninguém. Não... Ela está sozinha e esse é o certo. Ele foi frio. Ele segurou firme. Não sei se sofreu tanto quanto ela, gosto de acreditar que não foi fácil pra ninguém, mas não sei ao certo... Nunca saberei. O que sei é que ela se virou e chorou e sofreu e sentiu, mais uma vez, o mundo se abrir pra ela cair lá dentro. Ela não foi embora, acho que, se olharmos bem, ainda conseguiremos ver o espectro de dor que ficou naquele lugar. EU ainda posso ver e sentir e esperar que um dia, quando melhor, ela volte lá pra buscar essa última parte do que ela descobrirá ser.
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Eis aqui...
domingo, 9 de agosto de 2009
Nem o título
Tudo bem. Eu assumo minha fraqueza e digo que não acordei assim. Assumo minha fraqueza perante os nãos que levo. Eu nem acordei hoje. Ainda estava sonhando quando caí da cama. Eu estive dormindo e imaginando coisas por dias. Acordar, como sempre, doeu e me pareceu tão frio... O mundo é uma porcaria de geladeira gigante! Queria ficar na cama, quero dormir mais, não me acorde! Pq me acordar... É uma maldade isso!
Eu olho em volta e não tenho vontade de muita coisa. Talvez um cigarro... É, um cigarro viria a calhar. Eu não sei porquê, talvez seja vício mesmo. Eu acredito no poder de uma psicologia de autodestruição poderosa! Parece que assim eu morro mais lentamente e mais facilmente. Não me quero hoje. Será que a gente pode trocar? Eu te dou a mim com prazer. Ou eu me dou a ti? Esses malditos escritores têm confundindo o sentido de dar-se e eu me perdi no dar-me.
Cansei. Acredito que essas palavras só sejam importantes pra mim. Isso é bom e é ruim. Como criança que estou queria um pouco mais de atenção, ao menos hoje ou só por hoje. Será que você pode me ajudar? Ou está muito ocupado pensando no que é certo? Não, é verdade, não me dê atenção. Eu não sou interessante a longo prazo. Sou exatamente como uma droga que encanta no início. Que te enlaça em sensações únicas pra te destruir. Eu sou destrutiva. Pra mim e pros outros. Seja meu amigo. É o certo. Eu não sei dar-me, não sei o que isso significa.
Outro defeito meu é não saber ser-me aos poucos (são palavras de um grande escritor e as achei deveras adequadas). Não sei simplesmente usar uma máscara ou um medidor pra essa minha intensidade doentia. Eu queria gritar. Agora mesmo. Eu queria gritar que me machucou saber que não daria certo. Quero te dizer que só fiquei porque você pediu. Eu quero, mas não vou gritar que você esperou demais...
Eu quis dar-me e quis ser-me aos poucos. Como sempre quis as coisas erradas. Ou quis de alguém errado. Você não era o certo. Acho que ninguém é e como nenhuma das bichas teve a hombridade de me enfrentar e nenhuma das crianças teve a maturidade de perceber que contos de fadas não existem, ficarei assim. Serei demais. Sem conta-gotas pra mim. Vira tudo de uma vez e vamos pra vida que ela é mais gentil com quem não se importa. Pode pintar, o cabelo vermelho me cai bem. Aliás, tudo me cai bem. A única coisa que não me serve é o choro corno desse fim de uma história sem começo.
Isadora Perdigão
sábado, 1 de agosto de 2009
Telhado
A noite estava fresca, não fria o bastante para a blusa grossa que a mãe lhe obrigara a levar, mas o vento fazia seu corpo se arrepiar sob a regata branca. Queria vê-lo, estava no lugar de sempre, estava no telhado abandonado que tinha tanto dela... Que era tão deles.
Tentava ver melhor o campo de flores, mas o dono da enorme televisão do arranha-céu ao lado desligara-o. Ficara-lhe a imagem do campo. Quase que sentia o gosto daquele dia e toda a delícia do amor perfeito dos filmes. Decidiu encarar os blocos de concreto desinteressantes a sua frente e teve inveja da menina bonita do... comercial? Não podia sê-la, contentou-se em estar ali, pensar ali se ele viria.
Algum tempo se passou- não sei o momento exato do início da contagem, deixo-lhes a missão de captar esses minutos e a aflição que eles trouxeram àquela menina. Certamente o amigo se atrasara... Tudo bem, ele estava sempre atrasado. Provavelmente, ele nasceu atrasado. Ela quis se levantar, ensaiou fazê-lo, ir embora, deixá-lo arrepender-se por ser tão atrasado. Não conseguiu, de um jeito estranho ela ficava sempre... Esperando, torcendo pra que a hora passasse mais rápido sem ele.
Uma música começou a tocar e ela se assustou. De onde vinha aquele barulho? Lembrou-se que havia um bar em algum lugar por ali e pressupôs que a música viesse de lá. Apurou os ouvidos e conseguiu identificar o cantor. Depois a melodia. Finalmente, a letra. "Olha, vc tem todas as coisas..." Que um dia ela sonhara pra si. Não podia acreditar que, além de tudo, aquela música vinha lhe atrapalhar os pensamentos, eles já haviam ido longe demais e a voz desencontrada de um certo rei só os fazia voar pra mais longe.
Respirou fundo, tentou pensar em outra coisa. Grama verde, flores, casal feliz, "tem os olhos cheios de esperança..." Não dava! Ela tinha que ir embora. Levantou-se finalmente e quase caiu quando percebeu não estar sozinha. Não sabia há quanto tempo ele estava ali. Será que ela pensara em voz alta? Que era mania sua ela sabia, mas será que se traíra assim? Olhou pra ele e tentou achar a resposta. Ele sorria, meio bobo meio triufante. É, ele ouvira tudo, ou alguma parte importante do todo.
Sem ter o que fazer e na falta do que dizer ela o abraçou. Disse que sentira saudade e que havia desistido de esperá-lo. Ele não respondeu a nada. Ela riu nervosa e perguntou-lhe o que estava acontecendo. Nada. Ela então percebeu que esse era um daqueles momentos tão comuns entre eles. Não consigo explicar porque, mas de algum jeito aqueles dois eram muito eloquentes no silêncio e completamente inúteis no palavrório.
A garota calou-se de volta. Um arrepio fê-lo abraçá-la e ela deixou-se estar naquele cheiro que tanto gostava. Ele a conduziu a algum lugar que não sei. Havia uma televisão ali e um sol de papel se punha no fundo da tela enquanto um casal falso se beijava falsamente e declarava seu amor falso em meio a todo aquele papelão. The End. Ele desligou o aparelho. Ligou o som e colocou a música, aquela mesma que tocara no bar.
Era o momento perfeito. À meia luz um cantor antigo tocava, o mesmo cantor de tantas conversas embalava, agora, o meis expressivo silêncio da história daqueles dois.
Isadora Perdigão
quarta-feira, 22 de julho de 2009
Retórica
19 de abril de 2009
Bom dia, pra mim ao menos. Eu não ia escrever, eu não queria escrever. Imaginei que a publicação da sua carta fosse humilhante demais e que depois daquilo eu não precisaria dizer mais nada. Me enganei! Como castigo àquilo tive insônia, me peguei pensando em você e achei injusto te deixar sem resposta!
Não, eu não tenho pensado sempre em você e acredito que, me conhecendo como conhece, isso não passou pela sua cabeça. O fato é que eu talvez não seja a “Majestade Perfeita” ou a “imperatriz da competência”, será que eu não consigo ser só... mulher? Esse foi o seu erro, o nosso erro! Deixamos de sentir, ou de demonstrar, e caímos numa rotina pesada de disputas e brincadeiras cheias de um ácido que, pouco a pouco, corroeu o que eu esperava de você e de mim.
Eu não te acho um completo idiota, nunca achei. Será que você não percebe que se isso fosse verdade nós não teríamos durado um mês? Você errou quando caiu na armadilha burra e inconsciente de jogar comigo um jogo que, eu sabia, só eu poderia vencer! Não aconteceu nada, ainda te amo e, ao contrário de você, sou capaz de dizer isso sem me emocionar nem pedir nada. A verdade é simples e incompatível conosco. Amar nunca foi suficiente e se tornou um inconveniente enorme pra nossa vida.
Sim, eu gargalhei quando te vi lutando como um tolo por mim aquele dia no bar. Foi a cena mais deprimente da minha vida e eu não acreditava que havia passado tanto tempo com alguém que foi capaz daquilo. Gargalhei sinceramente, mas não ria de você, ria de mim mesma e do grande engano que cometi ao escolher você, ao achar que éramos perfeitos. Naquela noite voltei pra casa e chorei nossos erros. Ninguém viu, ninguém soube. Minhas lágrimas eram suas e eu não sei dá-las a mais ninguém.
Eu senti sua falta, ouvi cada uma das histórias de minhas amigas sobre você e, apesar de saber que você fazia tudo de caso pensado, cada vez que ficava sabendo de você com outra me sentia traída. Depois de um tempo não agüentei, pedi que parassem de me dar notícias suas, pedi que me deixassem lembrar você como alguém digno do que eu te dei, pedi que seguissem em frente e te deixassem no passado como eu fiz. Eu não tenho mais classe pra te ferir por acaso, eu me tornei especialista em te ferir e usava cada oportunidade pra te machucar. Infantilidade? Tentativa de chamar sua atenção? Talvez, talvez eu não estivesse pronta pra deixar você me esquecer. Hoje eu estou.
Você deve estar achando tudo aqui muito previsível, exceto pelo fato de eu estar respondendo. Eu sempre fui muito certa do que queria, sempre fui atrás e lutei por isso. Que mulher forte, que jóia! Quando é que você iria pensar que alguém como eu te quereria? Uma mulher bonita, bem resolvida, trabalhadora, bem sucedida, inteligente e quebrada! Você não percebeu o eu por trás da cortina de qualidades. Aceitar meu teatro foi uma escolha infeliz pra você e pra mim. Às vezes acho que a sua esperança era que eu iria salvar sua vida, te tirar daquela rotina sem sal em que estava imerso. Mal sabia que eu esperava o mesmo de você, silenciosamente.
Tenho certeza que, na minha pressa de escrever essa porcaria de carta, fiz exatamente isso: um porcaria! Eu provavelmente assassinei a sintaxe inúmeras vezes, me esqueci da coesão e me mostrei incoerente e isso deve estar sendo a glória pra você. Não se iluda, isso não significa nada além do desprezo que sinto por você e por aquela carta melancólica e dramática! Por que você fez aquilo? Por que me obrigou a rir, mais uma vez, da minha escolha estúpida? Deixa-me te guardar como algo bom, por favor! Por favor...
Eu não sei se por orgulho ou por medo você não quis contar dos seus dias pós-termino. Eu contarei os meus porque, como disse, não tenho medo da verdade e, de algum jeito, você continua sendo o único que merece o que eu sinto- talvez porque sinta por você. Eu chorei sozinha naquele apartamento enorme por dias. Fumei maços e maços de cigarro pelo puro prazer de me lembrar como você odiava quando eu fumava. Cheguei ao ridículo de beber, sozinha, nossos vinhos prediletos, imaginando que você ainda estava lá. Cozinhei seus pratos preferidos, aluguei nossos filmes e dormi chorando embalada por nossas músicas.
De repente me senti muito pequena, troquei a cama de casal por uma de solteiro e comprei mais travesseiros na tentativa de ocupar seu lugar. Você deve estar se perguntando do “namorado” que desfilava comigo em todo lugar em que nos encontrávamos. Bom, ele era só isso, um namorado de festa, um manequim bem treinado pra me fazer parecer forte. Nunca o trouxe pra casa, homem nenhum dormiu do seu lado da cama, homem nenhum jamais ocupará o seu lugar. Eu estou indo longe demais nas confissões... Como é que você continua fazendo isso comigo? O que há com você que me faz agir assim? Que me faz ser tão frágil, tão segura de conforto? Eu não devia te mandar isso... Acho que vou guardar pra mim essas palavras, quem sabe as retire e mande apenas um bilhete mal criado? Veremos...
Enfim me restabeleci, voltei pro jornal e escrevi freneticamente. Não me diga que não reparou que eu fiquei um tempo sem escrever, eu sei que você ainda me lê, você me vê em cada linha, não é verdade? Lembro-me de você na cozinha, lindo com aquele pijama horroroso, o cabelo todo bagunçado, a cara de sono, xícara de café em uma mão e o jornal na outra. Eu sabia exatamente o que você estava lendo pela sua cara! Quando fazia uma cara muito séria estava lendo o horóscopo escondido e tentando disfarçar porque sabia que eu não acredito nisso. Quando fazia cara de bravo estava lendo sobre política. O caderno de esportes era o meu preferido, seus olhos atentos quase não me viam entrar. Mas quando você lia minha coluna, nossa! Seus olhos brilhavam de orgulho e um meio sorriso se desenhava naquela boca perfeita... Como eu te amava!
Me perdi de novo em nós, isso acontece com uma freqüência quase insuportável. Eu te odeio por isso! Retomando o que dizia antes, voltei a escrever pro jornal e me sentia melhor, quase completa de novo. Foram semanas maravilhosas. Sentia-me forte, renovada, finalmente recuperada e pronta pra recomeçar até que? Você me escreve aquela carta inútil. Quando recebi aquele envelope, sem remetente tive um medo imediato de que fosse você e como eu me senti mal quando percebi que era mesmo.
Experimentei todas as sensações possíveis ao ler sua carta. Tive dó, tive medo, tive raiva e vontade de voltar. Quis te perdoar, mas a carta me mostrava o quão certa estava na minha decisão, você era fraco e eu não sei lidar com isso, eu não posso! Publiquei a carta como um recado pra você, como um pedido desesperado, queria que você sentisse tanta raiva de mim que nunca mais voltasse a pensar em mim! Mais um motivo pra não te procurar, eu sei. Acho que depois DESSA carta eu vou atingir meu objetivo... Você nunca mais quererá ouvir meu nome, que dirá pronunciá-lo. Apesar da dor que isso me causa eu prefiro assim.
Eu não sou boa em demonstrar o que sinto, você sabe. Relendo a carta percebi que, apesar de muito verdadeira, ela parece um relato frio do que aconteceu. Sempre presa a fatos e explicações lógicas. É incrível como conseguimos ir longe apesar de nossas diferenças. Por que de repente tudo parece tão perfeito? Eu não quero pensar que valemos a pena porque, sinceramente, não valemos! Você é quase um veneno pra mim, é uma droga e eu acabei de largar o vício. As lembranças me trouxeram a entorpecencia gostosa de estar com você e é por isso que tenho essa idéia absurda de nós dando certo. Não passa de uma crise de abstinência!
Não tenho mais o que escrever. Espero ter te respondido o que acabou conosco. Não quis te ofender hora nenhuma apesar de, provavelmente, tê-lo feito em alguma parte. Queria poder dizer que nós podemos continuar sendo amigos, mas não podemos. O sentimento que tínhamos/temos um pelo outro não suporta nenhum outro tipo de relacionamento. Esse amor Eros nos fez e nos destruiu e agora tudo o que temos é o passado. Não se lembre de mim. Esqueça-me todos os dias e siga em frente. Tudo o que fomos pertence, agora, ao passado.
Te desejo tudo de melhor, tudo de bom. Não quero te fazer mais mal do que já fiz. Eu não vou responder à sua provocação infantil. Eu jamais perderei meu emprego para uma professorinha de óculos e rabo de cavalo porque eu sou a melhor no que faço. Tente ser você um pouco do que sou e encare o fim como algo saudável. Você precisa crescer e eu seguir em frente! Não levo de nós dois uma saudade. Essa carta foi o ponto final, foi o ponto de recomeço pra mim. Não me procure, não me olhe, não pense em mim.
Um abraço.
P.S.: Você era bom no sexo, sim. Mas eu também já esqueci isso!
Isadora Perdigão
domingo, 19 de julho de 2009
Carta Inútil
Suplemento Literário, Diário Mineiro, 18 de Abril de 2009
Carta Inútil
Sei que é estranho começar uma carta sem vocativo, mas esta assim se faz necessária. Em primeiro lugar por que sempre cumpri à risca minhas promessas, e cumpro a que lhe fiz, na última vez em que nos vimos: a de jamais voltar a pronunciar seu nome. Embora, paradoxalmente, quebre a outra jura feita naquele mesmo dia - a de que iria lhe esquecer. E você não sabe o quanto me custa admitir isso, mesmo que por escrito, mesmo que em particular, mesmo que em pensamento. Dói-me dizê-lo. Mas é a verdade, e contra ela já desisti de lutar. Não há mais fuga para o que sinto, embora essa impossibilidade não torne a confissão mais leve.
Pouparei seu tempo - que julgo precioso ao contrário do que você dizia. Sempre valorizei muito seu trabalho, mesmo que isso significasse uma submissão do meu ser. Quantas vezes não fui deixado em segundo, terceiro plano? Mas ao contrário do que você pensava, eu me sentia, sim, orgulhoso de tê-la ao meu lado. De apresentá-la a meus amigos e poder dizer que além daquilo que eles viam- sua magnífica beleza exterior e natural- de quebra você era independente, bem sucedida, culta – a típica mulher do século XXI, que independe de seu macho para existir. E a apresentava só por protocolo, por educação, pois todos conheciam a jovem que escrevia nos jornais tão perfeitamente, com estilo único. Todos conheciam a promessa que você era. Sentia, a bem da verdade, meu ego inflar-se a cada vez que lhe apresentava como jornalista, como “a” jornalista e, acima de tudo, como minha noiva; como minha, embora você nunca tenha se deixado possuir inteiramente, nunca tenha me deixado dizer que você era “minha”, mesmo que em tom carinhoso, sem uma avalanche de protestos e sermões sobre o fato de ninguém ser de ninguém, e aquelas palestras de 15 minutos sobre o machismo. Coisas que deixavam você incrivelmente mais atraente. Coisas das quais sinto falta. Você era, e creio ainda ser, uma mulher bela, inteligente e extremamente sofisticada e determinada. Orgulharia qualquer homem que estivesse ao seu lado. Como me importar então que não tivesse muito tempo para mim? Bastava saber que você o tinha, nem que fosse pouco, nem que fosse uma hora por dia. Já era motivo de honra. De me vangloriar, de me sentir o melhor de todos. Mas seus atributos não vêm ao caso agora, mesmo porque, você os conhece melhor do que ninguém.
Pouparei seu tempo, dizia eu, e a privarei de ter de enfrentar linhas e linhas de um melodrama barato e talvez copiado de outros livros, desses que vendem na banca à preço miserável, que se espelham em novelas mexicanas. Não isso não combina com você, e nem comigo. Não combina conosco. Embora o “nós” não exista mais, quem dirá o “conosco”. Não, não direi como me senti depois daquele dia, como foram meus dias e minhas noites depois de tudo. Poupo-lhe disso. E posso até ouvi-la me agradecendo. Na verdade, provavelmente, a muito você já parou de ler essa carta. E, caso contrário, se ainda a lê, o faz gargalhando a cada palavra lida. Se sou capaz de me lembrar de sua beleza e inteligência, confesso não ter me esquecido de seu sadismo e frieza. E a cada letra que a caneta desenha nessa folha, sou capaz de vê-la abrindo a boca, jogando a cabeça pra trás, deixando que os cabelos corram soltos pelos ombros, e rindo alto, excitada, como só você sabe fazer, naquele seu gesto tão característico. Aquela risada que só você dá. Como só você faz quando quer ridicularizar alguém.
Mas não, não me julgo ridículo. Já disse, não há motivos para isso. Estou plenamente convencido de que, se há de fato um erro em tudo isso, ele não cabe a mim. Ou não apenas a mim. Haverá uma culpa, afinal? Haverá um motivo? E se há, ou houve, peço que me responda. Sério. Não se trata de uma tentativa desesperada de querer estabelecer um contato com você. De querer que você me responda. Não, quero apenas tentar entender o que se passou entre nós. Quem sabe assim eu não possa parar de me sentir assim. Quem sabe eu não possa parar de sentir? Me libertar de uma vez dos nós que me prendem a você. Dos fantasmas do passado, para usar um clichê. Peço, de novo, e humildemente, como talvez nunca tenha sido com você antes, peço que me explique, se você entendeu o que se passou. E, principalmente, se você, depois de tanto tempo, foi de aceitar. E aqui, imagino que você pare de rir. Me enganei? Acho que não. Não ouço mais seu sorriso torpe. Não vejo mais seus dentes perfeitos. Sua cabeça já não pende para trás. Ou você ainda insiste em ignorar? Ainda se recobre no casco e se afunda por trás da fortaleza de que recorre quando não quer falar, não quer ouvir, o que as pessoas tem a lhe dizer? Fortaleza essa que nós conhecemos bem. Fortaleza essa, que você sabe tanto quanto eu, é falha. Serve mais como enfeite do que como defesa. É estética, não é prática. É arquitetura, não é defesa. É alvenaria, não é rocha sólida. Não é eficiente. É Falha, já disse. Aliás, como tudo em você. Falha e dissimulada. Sempre invejei essa capacidade que você tem de ocultar o que sente. De se fazer passar por algo que não é. Quantas vezes você chorou escondida no meu colo? Quantas lágrimas só eu vi? E quantas pessoas não te achavam forte, impassível? Mas não, você era emotiva. Só disfarçava bem, desconfio que só é fria comigo. Minha Capitu, poderia dizer.
Não, não quero ofendê-la (mais). Não foi pra isso que me prestei a esse papel, ok, vá lá, ridículo - assumo agora, apesar de ter desmentido anteriormente. E, no fundo, não me importo com o como serei tachado por você. Afinal, você já deixou bem claro que não me considera nada de especial. Que não vê em mim nada que me configure como homem. Sou, segundo você, covarde, besta, ignorante e machista. Pode ser, mas se for assim, pior é você, que foi noiva de mim por tanto tempo. Pior é você que foi deixada por mim. Ou teria sido eu o deixado? Não sei definir quem deixou quem. Não sei definir como acabou. E se não fosse por você, não saberia definir se acabou. Tudo sempre foi muito indefinido entre nós. Seria esse um bom motivo?
Verdade também que, desde nossa separação, dizem que eu estou melhor, mais feliz. E creio que você ouve os mesmos comentários. Insinceros talvez. Reconheço que muitos são parte da boa e velha etiqueta, da desesperada tentativa dos amigos de nos estimular. Dizem coisas encorajando-nos, e por trás, sentem pena, chamam-nos coitados, lastimam nossa sorte. Mas dizem em nossa presença frases feitas: A vida continua! Ela não era tão boa! Esquece, já foi! Será? Será mesmo que é tudo tão simples e tão banal? Será que já fomos? Já. Fomos um casal, fomos cúmplices, fomos amantes, fomos completos, fomos muitas coisas, mas posso resumi-las dizendo que fomos felizes. E você tem de concordar comigo, por mais que isso doa em você.
Também não vou falar das noites que passamos juntos. Da falta que o calor do seu corpo me faz. Da falta do seu cheiro, da sua língua, do seu cabelo encostado no meu peito. De acordar com você assim, linda, mesmo quando antes de escovar os dentes. Mesmo quando acordava despenteada, e xingando palavrões porque perdera a hora. Não, não vou falar disso. Mas, uma coisa eu falarei, e agora, será apenas para me auto-afirmar. Para tentar parecer menos submisso a você. Tentar achar que você perdeu tanto quanto eu. Tentar não passar a imagem de alguém que se arrasta e suplica perdão. Se é que minha imagem ainda pode ser salva. Lá vai: Eu era bom de cama! E você já admitiu isso várias vezes. Não importa que vá negar ao ler, ou que ria com escárnio. Se de todo não sente falta do meu cabelo, do meu cheiro, dos meus palavrões. Sente falta do meu corpo. Do nosso sexo. E, isso de certa maneira me conforta. Saber que, alguma coisa você perdeu. Claro, você arrumou outro, desfila com ele todos os dias, e ele pode ser tão bom quanto eu. Mas melhor, me recuso a acreditar. E peço, que se ele for mesmo melhor, não me conte. Não estrague em mim a única vantagem que eu tenho sobre ele. Não corte a esperança que eu tenho. Não me negue a vitória primária entre a competição masculina. Entre machos que disputam a mesma fêmea.
Gozado que, ao escrever, começo a acreditar em muita coisa que você me dizia antes. Vejo, por exemplo, que você tinha razão quando dizia que eu usava períodos muito longos nas frases, e que não conseguia completar uma idéia. Que eu era vago, prolixo, inconclusivo e, muitas vezes, repetitivo. Ok. Assumo. Sinto saudades de você corrigindo meus textos, como se fosse uma professorinha de colegiado de antigamente, com saia, óculos e rabo de cavalo. Não, essa definitivamente não era você. E não posso deixar de rir ao imaginá-la assim. Pode ser que seja um fetiche meu, quem sabe? Sempre gostei de colegiais, e professoras não fogem da idéia. Lembra daquela fez que você se fantasiou pra mim? Mas já disse que não falarei disso. Falemos da realidade, do hoje. E se tenho que pensá-la como magistrada, sua imagem real como pedagoga seria algo que relacionasse medo e palmatória. Castigo. Isso define você. Castigo, vingança e frieza. Dor. E, apesar de tudo, apesar de ofendê-la, de saber quem você é, eu ainda escrevo essa carta.
Escrevo como pedido, de que me explique. Acho que já disse isso, mas tenho preguiça de reler. Então peço – novamente, ou pela primeira vez- que me responda se você desvendou nosso fim. Se faz sentido pra você. Não, não quero seu perdão, e não quero voltar. Quero só o entendimento. Disse que não lhe contaria como foram meus dias depois daquilo, mas, vou me desmentir mais uma vez. E, penso que, se você leu até aqui, é porque ainda nutre algum sentimento por mim. Nem que seja desprezo, como tantas vezes já me jogou na cara. Nem que seja para saciar a sua curiosidade de jornalista. Aliás, bem feito. Fiquei sabendo que não se exigem mais diplomas para ser jornalista. Tomara que perca o emprego. Seja substituída por uma veterinária, por uma engenheira, ou qualquer outra que não tenha nada a ver com jornalismo. Quem sabe uma professorinha de primário? Com saia, óculos e rabo de cavalo. Não seria má idéia te substituir. Não quero seu bem. Não torço por você. Não quero que seja feliz com ele. Quero sua desgraça, sua derrocada, sua queda. Não que isso me torne mais feliz, mas isso te igualaria a mim.
Passei dias maravilhosos no começo. Você deve saber, sempre teve muitas amigas cujo passatempo era informar-lhe sobre o que eu fazia. Encontrei com muitas em festas e boates. E ia sempre às festas que elas iam, de propósito. E fazia questão de cumprimentá-las. De passar na frente delas rindo, de exibir cada noite uma mulher ao meu lado. Como se gritasse silenciosamente para elas: “Olha como eu estou bem, olha como ela não me atinge, olha como estou me lixando pra ela, olha como não preciso dela!”. E sei que elas te contaram tudo, sei que alcancei meu objetivo. Como sei também que você passou a fazer o mesmo, embora menos que eu, e de forma mais discreta. Como cabe a alguém com sua classe. Não, você não virou uma piranha. Você não se rendeu à futilidade e à idiotice as quais me rendi. Você não ficou parecendo, igual a mim, um idiota infantil, um pré-adolescente fazendo ceninhas de ciúmes. E por isso, te odeio. Por que você foi sem mim, o que era comigo. Digna. Perfeita. Em momento algum nossa separação parecia ter te abalado. A fortaleza ali, segura, firme. Mas, nem assim eu acreditei. E até hoje me pergunto quem terá te servido de ombros, uma vez que os meus permaneciam secos. Pode ser que não quisesse reconhecer que você era, de fato, melhor que eu. Passo a achar que nunca te mereci. Chego a pensar em pedir-lhe desculpas por ter sido seu noivo. Por ter maculado sua tão nobre vida. Sua perfeita vida, com tudo de podre e de lixo que eu sou. Mas não peço. Por que sei que, embora pareça, e eu tenha contribuído para isso, nós dois sabemos o meu valor. Não, eu não sou pior que você. E você sabe, embora não vá reconhecer.
É verdade também, que naquele dia em que eu bebi de mais – assim como hoje... Pronto! Achou a justificativa pra carta? Seu cérebro de máquina achou agora um fato lógico pra considerar, em detrimento das emoções, que suspeito, não se dão muito bem com você. Sim, estou levemente bêbado. Levemente. Ainda consigo organizar as frases e não ataco sua amiga, a sintaxe. Naquela noite eu vi você na festa com ele - cujo nome também me recuso a citar, e que hoje ocupa meu lugar (fiz rima, você chamaria de eco, diria que é um erro, transgressão, defeito, sei lá o que mais). Retomo, o período ficou longo, me perdi no que ia dizer, não sou nem mesmo capaz de dizer qual o sujeito da oração. É período composto né? Nunca soube. Nunca precisei. Você sim. Mas, mais uma vez você tem razão, eu me perco em minhas falas. Retomo, dizia que naquela noite em que fiquei tonto e te vi com ele, perdi a cabeça. Óbvio. Você sabe disso. Você estava lá e viu minha idiotice. Não preciso contar, mas o faço. E você deve se lembrar de mim, correndo na direção dele, berrando nem lembro o que (acho que nem eu entendia o que eu tava dizendo, minha língua enrolava, eu babava, cuspia), determinado a acabar com ele. A matá-lo se fosse preciso. E teria feito isso, se não tivesse tropeçado nos meus próprios pés e caído no chão antes de chegar perto dele. Se não tivesse virado a chacota da festa. Se não tivesse sido carregado de lá enquanto todos riam de mim, do babaca, do palhaço, da besta. E confesso que só soube depois, quando me contaram, que todos riram de mim, inclusive ele. Sabe por quê? Por que naquela hora, enquanto todos riam, o único sorriso que eu via era o seu. O pescoço tombado pra trás, a gargalhada alta. O dedo em riste pra mim... E nem assim, me ridicularizando, fui capaz de te achar menos bela.
Enfim, depois de tudo que disse não me dói mais confessar o que pensei quando cheguei em casa naquela noite, ainda bêbado. Não fará diferença mais uma ou menos uma confissão. Quantos pecados ainda terei que contar? Qual será minha penitencia? Quantas ave-marias, quantos pai-nossos? Quem sabe um salve a rainha? Um Salve a você, soberana poderosa e cruel que subjuga todos ao seu redor? “Majestade perfeita”, “Imperatriz da competência”? Senhora suprema da ironia. Viu? Ela não tem tanta graça usada contra você não é? Enfim, naquela noite, eu pensei em terminar com tudo. Em acabar com esse tormento, com essa, desilusão? Posso chamar assim esse problema sem resposta? Cheguei a destampar o frasco dos remédios e ia tomar todos de uma vez – O que os soníferos faziam na minha estante? Já tomava um por noite, porque (mais um pecado confessado) eu não dormia mais direito há um bom tempo, e a eles recorria. Não consegui. Óbvio, você dirá. Você é covarde. É idiota. Sou um verme não foi assim que você disse? Pois é, eu sou. E não fiz. Mas também, por achar que você não merecia minha morte. Você não merece nada, aliás. E sei que, para você, minha morte seria um alívio. Você não teria que pensar em nós todos os dias, e não buscaria desesperadamente as mesmas respostas que eu busco.
No entanto, agora que já me alonguei demais e propositadamente, posso ser mais sincero. Sair da minha máscara de ironia ou de vítima. Assumo agora a razão única pela qual escrevo a carta, não sei se é de fato um pedido de explicação. É antes um outro pedido. Mas esse ficará nas entrelinhas. Não será nunca pronunciado por mim. Tenho horror dessa palavra. Pra mim, ela soa como humilhação, até rima. Comiseração, humilhação e... E não peço claramente, mas sei já fui muito claro. Você já entendeu que eu sim, ainda penso em você todos os dias, todas as horas. Que eu não te esqueci. E aqui entram todos os outros clichês possíveis. Que ainda tenho ciúmes do imbecil ruim de cama que desfila ao seu lado. Que eu ainda me acho superior e o melhor homem para estar com você. Que esse lugar é meu e ninguém mais pode ocupar. Mas não vou falar isso. Nunca assumirei mais do que disse nessa carta e, agora é você quem se senta no genuflexório ou no confessionário, onde for mais confortável para você, e confessa. Assume. Pede misericórdia. Confessa que já entendeu o que eu quero. Já ficou óbvio. E, por isso, acho que posso encerrar a carta.
Mas, assim como não a iniciei com seu nome, poupo-me de assiná-la. Se não há o seu nome, não há por que ter o meu. No fundo, pra mim, um nome não pode existir sem o outro. O meu e o seu. Mas, se de todo, você terminou de ler a carta só por escárnio, possibilidade que eu não descarto, embora se confirmada, me aniquilará. Destruirá tudo que ainda sobre de mim, e se inteiro eu já era um verme, um lixo, em pedaços não consigo imaginar o que serei. Talvez ainda tenha alguns comprimidos. Quem sabe? Não, não é uma ameaça. E arrependo-me de ter escrito isso. Ignore essa frase. Ela não adiantaria com você mesmo. Você gostaria da minha morte, seria seu sossego, e sossego é a única coisa que eu não posso te dar no momento. Se, de todo, a carta não surtiu o menor efeito, o que é uma pena, por que eu realmente me esforcei. Rasgue-a. Ponha-lhe fogo. Não sem antes cuspi-la e escarrá-la. Melhor, dou-lhe uma idéia. Publique-a no seu tão amado e idolatrado (Salve!Salve!) jornal, enquanto não é substituída por uma professorazinha de filme pornô. Como uma crônica, sei lá, pode até dizer que foi você quem escreveu. Não quero que ela seja rasgada, queimada ou coisa assim. Seria esforço demais pra nada. Prefiro antes que seu desprezo por mim, se existente, seja escancarado. Berrado em praça pública. Publicado em Jornal. No entanto, se publicares, poderei achar também que você ainda nutre uma admiração por mim. Pelo menos escrevo bem. Talvez vire escritor. Quantos corações partidos já não se dedicaram à literatura? Não é a decepção a mola impulsionadora da poesia? Se publicar, poderei achar que você, assim como eu, procura uma resposta. Resposta que poderá vir dado por algum leitor atento. Suplico-lhes isso, aliás. Se lerem, tentem me explicar. Tentem explicar. Tentem. É só o que peço. Mas, se eu ler a matéria no jornal, não saberei o que você sente. Desprezo? Ou ainda sente o que sinto por você, e por isso leu a carta até o final? Jamais saberei. Não, não publique. Rasgue. É melhor a certeza do desprezo que a dúvida amorosa. Ou não, publique a carta sim, se o seu autor não pode alcançar os objetivos dela, suplico que ela não morra. Que a obra fique viva, mesmo com o autor em pedaços. Publique-a com o título de Carta Inútil, se assim ela for pra você. Entenderei o recado. O meu está dado. Não assino, deixo apenas, três palavras, que resumem: a carta, eu, você, a confissão e nossa história, mesmo que inutilmente:
Ainda te amo.
João Lúcio Xavier
sábado, 18 de julho de 2009
Inconclusivas linhas crescidas de mim
Ainda que o busque a cada dia com um empenho único, começo a ver que saber-me- ou reconhecer tal sabedoria- é muito mais assustador do que admito. Certamente preciso ter em mim aquilo que me faz ser o que sou, mas entender o significado disso pegou-me desprevenida e, sem mais delongas, assombrou e tomou minha alma nessa tarde calma e morna de julho.
Ser-me dói um pouco todos os dias, mas entrar nisso foi quase insuportável. Não digo que descobri tudo, não o poderia, mas percebi em mim uma vontade genuína de ser e não estar. Saber, deixar as adivinhações pra quem se dedica a faze-las. Hoje sou a mesma de sempre, ou talvez seja outra completamente diferente, a verdade é que sinto-me como ao sussurro suave da brisa que embalou meu dia no balanço infantil de um brinquedo simples de ir e vir e querer voar.
Não dedicarei tempo, imaginação e folhas pra dizer quem habita essa massa identitária que leva meu nome. Não perderei nem mais um instante nesse vago trabalho de me justificar a mim. Escrevo apenas por ser esse meu prazer e hobbie mais sincero. Finalmente escrevo de mim pra mim, sem pretender alcançar ninguém, sem pedir que entendam, sem cobrar algo a quem tem nada.
Também não me peço a arte sublime de escrever como os autores que me inspiram. Dedico-me à simplicidade ingênua de defender uma teoria própria que talvez só se aplique a mim. Auto-conhecimento, conceito tão cobrado, difundido, enaltecido e creditado a mentes que, certamente, não posso competir. Auto-conhecimento, tudo aquilo que me foge e me atormenta por estar aqui e não estar, por ser tão visível a olhos que não são os meus. Auto-conhecimento, exatamente o que não preciso mais, não explicitamente, não declaradamente; quero tê-lo sem saber que tenho e mostrá-lo sem que o percebam. Teria alguém sugestão ou regra que me ajude a alcançar o que almejo? Acho que não...
Sempre fui inconclusiva e isso marca, ao meu ver, boa parte de minha “obra” (coloco entre aspas por não achar competência suficiente para me dizer escritora). Deve ser porque trago o que escrevo pra muito perto de mim, do que penso ou sinto ou vivo ou acredito viver. Fato é que, nesse exato momento, não acho palavras ou dogmas que preencham mais linhas desse texto. A falta de objetivo devorou possíveis idéias que pudessem me socorrer nessa falta de léxico e semântica absurda. Termino, pois, minha matéria discursiva, sem moral e, muito provavelmente, sem sentido. Não espero nada e me sinto feliz por apenas ter podido ter essas linhas tão mais crescidas que eu.
Isadora Perdigão
terça-feira, 7 de julho de 2009
Deserto
Ela era azul? Não. Ela estava de azul e era linda. Não podia ver seus olhos, mas adivinhava-os negros como os cabelos agitados ao vento. Sua boca inacessível abriu-se em um sorriso que o cegou, tamanha beleza e brancura havia naqueles dentes perfeitos. Ela era toda perfeita.
Ele a conhecia. Deus, ele a conhecia! Mas será mesmo que aquela visão era real? Parecia miragem de um desesperado por, por qualquer coisa que lhe desse um pouco de calor- diria colo, mas daí ele seria triste, carente demais e sou contra exageros. Decidiu-se pela miragem. Seguiu em frente.
Tropeçou, adiante, com os olhos, novos conhecidos, e teve que parar. Parou e achou que a queria. Era loucura, mas ela sorriu. Por que sorrira? Ela não sabia que acabara de prende-lo e perde-lo. Ele não ficaria, não suportava, não podia com esse não. Chorou.
O sorriso sumiu, as mãos macias tocaram seu sofrer e o aqueceram. Uma pergunta inocente perdeu-se no espaço e ele a abraçou. Não um abraço de amigo, não um abraço de amante, um abraço de amor que ficou.
Ela não entendeu e deixou. Não se envolveu com ele nem o quis, mas deixou-se estar e isso valeu. Valeu pra ele como o beijo que não pôde dar, como o encontrar-se que não chegou. Ela valeu, naquele momento, o resto da vida dele.
Isadora Perdigão
domingo, 28 de junho de 2009
Serenata sem estrelas
Vejo a noite cair
Debaixo dos meus pés
Como um edifício cai
E eu quisera ter
A música do mar
As frutas do pomar
Antes da chuva vir
No out-door luminoso
A vida a mentir
Nenhuma estrela mais perto dos olhos
Ninguém
Ecos de um rádio antigo
Eu penso ouvir
Um cigarro um segredo e nada além
Quanto mais ando mais perco
Teu rastro armadilha na estrada sem fim
Choro em silêncio a dor
Sofro mas nem a lua tem pena de mim
Sei mais caminhos que os meus sapatos
Na escuridão esperava por ti
Mas ontem rasguei teu retrato
Te matei e dormi
Zeca Baleiro
domingo, 21 de junho de 2009
Cacos
Ela estava sozinha em seu apartamento e, apesar do dia ensolarado, ela continuava com seu pijama de flanelas e aquele cobertor velho. Não havia se penteado ou escovado os dentes. Não sabia que horas eram e só conseguia ficar ali, sentada no chão frio fumando, pensando, chorando.
O cheiro dele estava em toda parte. Sua voz ecoava pela casa desarrumada e se fazia presente em cada pedaço da cabeça dela. Ela deixara tudo exatamente como estava quando ele partiu. Havia poeira nos móveis e o sofá continuava fora do lugar habitual. Os cacos da briga a encaravam como fantasmas, ela não podia se mover, ela não conseguia parar de rever aquele show de horrores.
O cigarro acabou, fez como no dia anterior, ligou para o porteiro que lhe trouxe um maço novo em questão de minutos. Abriu a porta para ele, encarou sua piedade e cuspiu-a dali. Não precisava daquilo, era humilhação demais, era triste demais. Fechou a porta. Voltou pro mesmo lugar e recomeçou a encarar o vazio. Seu problema? O vazio estava cheio de toda merda que ela disse. Que erro... Que erro!
Gritaram seu nome, era ele, era ele, ela tinha certeza. Levantou-se, correu pelo apartamento, ele não estava lá, ele se fora. As lágrimas voltaram sem que ela percebesse, já havia se habituada a elas. Sentou-se de novo e sentiu o coração parar. “Essa foi nossa última... A última!” Ele se fora. Pra sempre.
A realidade pesava nos seus ombros. Como aceitar que aqueles anos se foram nos minutos da noite anterior... Seria a noite anterior? Ela não fazia idéia! De que valia o tempo? De que valia qualquer coisa? Ela era nada. Sem ele, ela era nada. Alguma coisa lhe dizia que ele voltaria, ela deixou tudo do mesmo jeito. Ele voltaria e a encontraria ali onde a deixara.
“Se você sair é melhor não voltar! Eu cansei de te esperar, cansei de me deitar no chão sempre que você vai embora. É melhor NÃO VOLTAR!” Por que ela havia falado aquilo? Por que ela não deixou que ele voltasse? Ela não era tão forte quanto queria parecer, ela precisava dele, precisava. Ela o amava.
Um ruído na porta fez seu coração voltar a bater. Era ele, lindo, na porta. Era ele, era... Era sua mãe implorando que ela saísse de casa. “Não, ele vai voltar. Eu estou esperando meu amor voltar, ele vem...” A mãe chorava, a filha pirava e fumava, fumava como o demônio e delirava como uma louca. A mãe tentou aproximar-se, parou no meio do caminho, ela estava gritando. Ela estava chorando. Ela estava sentindo demais. A mãe chorou baixinho e saiu. Ela estava sentindo demais e a mãe não podia ajudar.
Quando voltou pro seu lugar ela pisou num caco de vidro. Era um caco lindo. Era um caco brilhante. Era um dos muitos cacos dela que se espalhara pelo chão. Ela encarou o caco. Ela pegou o caco. Ela se matou com o caco mais brilhante. Ela se matou com o caco do que era. Ela se matou com o caco dos deuses. Ela morreu pelo caco mais brilhante, o maior, o mais afiado e perigoso de todos os cacos. Ela sangrou por aquele caco de vidro. Ela não foi mais encontrada. Sua alma se fora, se fora com os deuses que cobiçavam seu caco brilhante, perigos e afiado.
Isadora Perdigão
sábado, 13 de junho de 2009
Lembro
Lembro-me também de um tempo, não tão distante, em que quis acreditar na benevolência deste que se torna quase um inimigo: escrevi sobre o tempo. Naquele dia as palavras eram doces, cheias de certeza e sonhos e esperança nesse médico invisível apregoado por vovó. Ah, o tempo!
Lembro-me de mim tão inocente, tão sabida dessa vida que nem sei. Como pude me iludir e como deixei passar? Era bom me sentir segura dentro de uma mentira não declarada de quem sou. Na verdade, ainda quando achava que encontraria respostas, era melhor, era um tempo bom.
Lembro-me, agora, que o tempo importa e ele existe, tão pesado existe que cresci- talvez rápido demais- e já não posso ser minha lembrança. O que perdi pro tempo só ele vai me contar- se contar- quando eu puder e souber lidar com a verdade que isso traz. O que ganhei do tempo está intrínseco em cada minuto, está em cada palavra em todas as outras e em cada piscar de olhos, luzes e tempo. Quando finalmente me esquecer do tempo talvez perceba a irrelevância das minhas rugas e encontre, nos fios brancos dos meus cabelos, o que busco hoje: EU.
Isadora Pedigão
sexta-feira, 12 de junho de 2009
O ovo e a galinha (recorte)
A um certo modo de olhar, há um jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos e a isto chamamos de amor. E então, não é necessário o disfarce: embora não se fale, também não se mente, embora não se diga a verdade, também não é necessário dissimular. Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece, amor não é prêmio, é uma condição concedida exclusivamente para aqueles que, sem ele, corromperiam o ovo com a dor pessoal.
Clarisse Lispector
domingo, 10 de maio de 2009
Ponto final.
Secos. Olhos secos, boca seca, ela toda seca. Sabia que havia acabado, o peso no estômago era o mesmo das outras vezes, era frio, era seco, não doía nem sangrava, existia apenas! Olhava-o confusa, com dó? Com indiferença. Ainda assim não sabia como chegara ali, não sabia o que dizer e sentia-se falsa por não sabê-lo. Queria sumir e deixá-lo esquecer, não importava que ele a odiasse contanto que ela não precisasse encará-lo.
Virou-se, pegou a pequena porção de carinho que ainda tinha e colocou-a nos olhos. Quando ele a viu achou que estava chorando, não sabia que ela gastara, com essa despedida, a última porção do que sentira por ele. Olhar nos olhos suplicantes do rapaz a fez repensar, quis voltar atrás, quis manter uma farsa solidária, não pôde. Elegante, levantou-se e saiu. Por entre os lábios um beijo que não foi dado, um adeus velado.
Chegou à porta, tentou achá-lo, viu alguma coisa no chão, não era um homem nem era humano, não podia ficar. Ao encarar aquilo, aquele pedaço de orgulho dilacerado a seus pés, entendeu o motivo de sua partida. Reviveu um diálogo triste de revelação e desapontamento, ele era pouco, ele se tornou nada.
Pensou no que vivera de bom e de ruim e, sem exitar, apagou tudo. Por que se demorava à porta? Queria ter esperança, queria atendê-lo, queria não ir. O som dos segundos a despertou e o peso do silêncio a invadiu. A verdade é que havia barulho demais ali, choro, fraqueza e dor diante do que estava fazendo. Não agüentou, estava bem e, por isso, sorriu. Sorriu um sorriso cansado do fim. Sorriu para o fim. Sorriu pra si e acenou pra ele. Não voltaria, ela não voltou.
Isadora Perdigão
quinta-feira, 26 de março de 2009
Do que sei de nós pra mim
Essa saudade que sinto disso que não sei deve ser sinal ruim. É tanta falta que me faz querer, me faz te ver assim, como? Você é alguém! Por quê? Cadê minha predefinição? Minhas certezas vãs de que não me apaixono, não quero, não amo...
Percebo cada parte de mim doer de um jeito bom. Não, não sou adepta a nenhuma filosofia masoquista, tenho apenas esse prazer calado de te gostar sem saber. Sabia que a dor é quente quando acompanha seu nome? Ela é deliciosa, faz jus ao que o poeta disse: “a dor no fundo esconde uma pontinha de prazer.” A dor dói menos por você.
Se encontrei o que não procurava não sei dizer, não sei nem se, de fato, estava indiferente à procura. Eu te achei e você mexeu comigo, o quanto o tempo vai dizer, ele vai mostrar o quando ser sua... Ou não!
Fica agora, cala a boca e fica aqui. Não, fala e me explora, vai e me leva que eu quero ser tua, seja meu de volta e me ama, um pouco demais e nunca muito de menos! Gosta mais de mim que eu de você. Me dê o prazer de ser conquistada, chama meu nome quando eu me for, me pega de volta e me beija que eu quero ser tua!
Agora me esquece, me deixa ir e não me segue que eu quero ficar só. Fala mal de mim e se desculpa, volta a trás e desconstrói. Me ama de longe e sinta raiva da minha ida, não me esquece! Quando eu voltar quero teus olhos felizes e uma falsa indignação, quero teus braços abertos e tua boca pronta! Te quero de volta só pra mim... Só comigo... Só sem me ter.
A fantasia dessas palavras me alcançou, me fez feliz e me deixou. É bom escrever, é bom sonhar te ter. É bom te escolher dentre meus sonhos e te tornar o melhor deles. Vou fingir mais um pouco esse faz de conta e depois te conto cada ponto dessa ilusão. Ria de mim que eu adoro teu riso, depois disso eu vou mentir minha verdade e dizer que não te gosto nem desejo nem sonho. Você vai me ouvir rir minhas ilusões como se fossem loucura de uma tarde ociosa. Só peço que perceba a verdade por trás de tudo e a deseje, me dê a recíproca verdadeira de tudo que sinto por nós dois e me deixa te tornar meu!
Isadora Perdigão
segunda-feira, 9 de março de 2009
Rota
Ando tão à flor do estômago
Que o teu cheiro, desgraçado,
Me faz vomitar!
Ando tão impaciente
Que já não sinto nem vontade
De chorar!
Andei tanto com você
Que me cansei
De andar!
Andei tanto com você
Que seus hábitos imundos
Ainda infestam meu falar!
Andarei tanto sem você
Que uma mente de lembranças,
Com sorte, vai se apagar!
Andarei tanto sem você
Que nem seu nome
Vai me restar!
Aí então serei individuo
Não precisarei me repetir
Até meus versos perderão rima, padrão e estilo!
Andarei sem você
Pra ficar só
Comigo!
Isadora Perdigão
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
Despedida falha
Desculpa, mas é que doi demais perceber que, finalmente, vcs foram embora.
Espero que lembranças várias dessa amizade me ajudem a esperar o dia da volta sem chorar demais.
Desejo, de todo coração, que sejam felizes.
Mas mais que isso, quero que não se esqueçam de mim nem um dia!
Obrigada por cada minuto de alegria e tristeza que passamos juntos.
Hj sei que cada briga só nos tornou mais fortes!
Amigos, desculpa a falta de qualidade no texto, mas é dificil coordenar meus dedos sobre o teclado enquanto me emociono, lembrando de nós!
Vão com Deus e saibam que haverá aqui alguém esperando, alguém que não se acostumará a dizer tchau toda vez que vcs voltarem.
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Acordar
E então ela acordou e sentiu um gosto amargo na boca, abriu os olhos e viu um mundo sem cores, mas claro, claro demais. Ouviu gemidos e choros, mas o que mais a assombrava eram os risos histéricos que chegavam de algum ponto central daquele lugar. Quando tentou se levantar, não o fez, não conseguia achar um chão para pisar. Foi aí que percebeu estar em um mundo novo, viu que teria que pintá-lo, orquestrá-lo, construí-lo!
Perguntou-se o que faria primeiro. Resolveu começar pelas vozes, entendê-las lhe parecia essencial. Ouviu o choro. Ele era baixo e tímido demais, aproximou-se, perguntou-lhe porque sofria. “Sofro por não ser ouvido, por ser calado sempre que tento sair. Sofro por existir e não ser notado”. Havia algo de conhecido naquele chorar, mas ele estava tão baixo! Decidiu ir até os gemidos e percebeu que eram de dor. Quis saber se podia ajudar, recebeu a seguinte resposta: “Tire-me daqui, eu preciso avisar... Não está bem, não está bem!” Assustada, ela fugiu! Ao ouvir os risos quis entendê-los, mas não teve coragem, desistiu das vozes.
Decidiu olhar melhor aquele espaço, talvez conseguisse colocar um pouco de cor. Analisou tudo ao seu redor e percebeu que eram imagens vivas, como cenas de um filme, só que se misturavam e acabavam todas dentro de uma caixinha de surpresa que, por sua vez, girava vagarosamente em todas as direções, como que colocando cada parte em seu lugar. Chegou mais perto e viu imagens conhecidas, bonecas e bolas de uma infância da qual se recordava, que havia ficado pra trás há tão pouco tempo... Mas porque estavam sendo guardadas? Ela queria vivê-las! Tentou destruir a caixa... não conseguiu. O que havia de errado?!
Olhou pra baixo, não havia nada! Era só ela numa imensidão difusa. O que significava aquele lugar? Quis chorar, não conseguiu, mas percebeu que aquele som, antes tímido, aumentava e se aproximava dela. Foi aí que percebeu: estava dentro de si mesma! Acalmou-se e tudo voltou à situação inicial e então... silêncio! Ela estava pensando.
Depois de algum tempo percebeu que aquilo era real, estranho, incomum, mas real! Talvez estivesse em algum tipo de transe do qual não sabia se conseguiria retornar. Perspectiva aceita, resolveu aproveitar a oportunidade para colocar toda a desordem no lugar. Deixou o choro sangrar e os gemidos lamentarem tudo o que queriam, quando acabaram, colocou-os cuidadosamente onde pudesse, sempre que necessário, buscá-los. Percebeu que o riso diminuiu e não a intimidava mais. Foi ouvi-lo também. Ao dar-lhe atenção aquele barulho horrendo pareceu crescer e tornou-se insuportável. Era uma sensação agonizante de desespero e mentira que foram dominando cada músculo dela, aquela seria a parte mais difícil!
Afastou-se e começou a perguntar-se o porquê daquela loucura. As imagens a sua volta resolveram ajudá-la. Começou a rever milhares de situações em que calara sua tristeza e entorpecera sua dor, percebeu que em todas elas ria, incontrolável, daquilo que não tinha graça, do que não gostava, do que não via! Observou a insanidade crescendo dentro de cada sorriso falso e cada noite desperdiçada em meio ao que não a atraía. Sofreu com sua indiferença, como pode maltratar-se assim?!
Entendeu que, para acabar de vez com aquela sensação de histeria tinha que se sentir feliz de verdade, aceitar-se plenamente e à sua realidade. Resolveu voltar pra caixinha de surpresas. Olhou cada lembrança que era guardada, como aceitar que todos aqueles rostos e lugares ficariam pra sempre no passado? Como olhar pro espaço vazio chamado futuro e acreditar que ele poderia ser melhor que aquela pequena caixa à sua frente? Respirou fundo, olhou ao redor, viu que nem tudo estava sendo guardado e tentou se ater àquelas figuras que ficariam, ao menos por agora, na sua vida.
Nessa hora viu seus amigos de verdade e, como numa pasta de arquivos, reviu cada passagem com eles e ficou feliz por estarem ao seu lado em tantas alegrias e tristezas. Depois viu sua família, cada parte de um todo que se uniu desde sempre para enfrentar o que a vida trouxesse de bom e de ruim. Viu mestres com ensinamentos que jamais esqueceria e que – ela tinha certeza- a levariam aonde quisesse. Sentiu-se forte, percebeu que, afinal, não estava sozinha e que cada pedaço arrancado, era reposto com um pouco de... TEMPO!
Então esse era o segredo? Tempo. Não precisava mais das cores, a claridade já era suficiente para que enxergasse quem era. Não precisava de grandes platéias, a melhor e mais fiel já estava ao seu lado. E quanto ao amor, bem, esse vem de tantas maneiras e com tantos nomes... Por que procurar por um só? Agora que descobrira a verdadeira fórmula da felicidade não se importava com o resto que ditava regras imediatistas, ela não iria mais se entregar a qualquer sentimento “pegue-pague”. Apagou todas as decepções, os conselhos arriscados e o desespero. Guardou quem amava, o que aprendeu e, principalmente, guardou quem era.
E então ela acordou com um sorriso no rosto, não sabia porque sorria, mas sabia que era sincero. Um gosto amargo ainda estava em sua boca, mas ela não se importava com ele. Por algum motivo agora ela sabia que, embora desagradável, o amargo era real e calava certos devaneios histéricos a que havia se entregado em alguma época da qual não se lembrava mais!
Por Isadora Perdigão
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
Hoje
Cada parte de mim que sente
Torna-se mais forte e verdadeira!
Percebo, hoje, que estou viva,
Não porque respiro, porque penso, porque insisto,
Mas porque riso e choro vêm sem controle!
Percebo, hoje, que sou feliz,
Não porque sou perfeita ou porque os outros o são,
Mas pelas espadas e flores que aceito de peito aberto.
Por Isadora Perdigão
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
Amor errado
O que aconteceu?
Meus dias se passaram e eu não vi.
A embriaguez me cegou
Entorpeceu tudo que eu era
Só esqueceu-se de esquecer a dor.
De que me serviu
Fugir por tanto tempo?!
No final tive que enfrentar um espelho
Do tamanho da verdade.
Quando ele se quebrou na minha frente
Acho que perdi algum pedaço,
O que me faria conseguir
Te esquecer.
Quem sabe pra sempre,
Esse tempo inexistente,
Mesça exatamente o quanto já chorei
E o quanto não quero mais te querer?
Se não existe amor errado,
Consolo-me em pensar que um dia,
Nesse pequeno espaço chamado vida,
Eu encontre o acerto
Do nosso amor!
Por Isadora Perdigão
domingo, 1 de fevereiro de 2009
Pra vida...
Minha pretensão é simples:
Quero uma casa enorme
Muitos empregados.
Quero um carro de luxo
Motorista importado.
Quero muito dinheiro
Gastar sem ser moderado.
Quero folga, férias e pouco trabalho
Viver de feriado.
Quero mais do que tenho
Não ser assalariado.
Quero casamento com filhos bonitos
Cansar e ser divorciado.
Quero, finalmente, morrer em grande estilo
Não como o real viciado.
Mas não,
Não preciso estar apaixonado,
Enamorado,
Encantado,
DESGRAÇADO!
Por Isadora Perdigão