Criado como forma de catarse, sem o objetivo de agradar nem ofender, apenas colocar pensamentos de uma mente "em cacos" para, com isso, encontrar aquele caco mais brilhante, digno do olhar dos deuses!

sábado, 1 de agosto de 2009

Telhado


Aquela era uma bela tarde de novembro. A brisa morna soprava suave e agitava o festival de cores formado pelas flores do campo. Inebriados pelo calor, pela vista e pelo aroma gostoso da primavera, os dois conversavem sobre o futuro extasiante que teriam juntos, casados e felizes amém.

A noite estava fresca, não fria o bastante para a blusa grossa que a mãe lhe obrigara a levar, mas o vento fazia seu corpo se arrepiar sob a regata branca. Queria vê-lo, estava no lugar de sempre, estava no telhado abandonado que tinha tanto dela... Que era tão deles.

Tentava ver melhor o campo de flores, mas o dono da enorme televisão do arranha-céu ao lado desligara-o. Ficara-lhe a imagem do campo. Quase que sentia o gosto daquele dia e toda a delícia do amor perfeito dos filmes. Decidiu encarar os blocos de concreto desinteressantes a sua frente e teve inveja da menina bonita do... comercial? Não podia sê-la, contentou-se em estar ali, pensar ali se ele viria.

Algum tempo se passou- não sei o momento exato do início da contagem, deixo-lhes a missão de captar esses minutos e a aflição que eles trouxeram àquela menina. Certamente o amigo se atrasara... Tudo bem, ele estava sempre atrasado. Provavelmente, ele nasceu atrasado. Ela quis se levantar, ensaiou fazê-lo, ir embora, deixá-lo arrepender-se por ser tão atrasado. Não conseguiu, de um jeito estranho ela ficava sempre... Esperando, torcendo pra que a hora passasse mais rápido sem ele.

Uma música começou a tocar e ela se assustou. De onde vinha aquele barulho? Lembrou-se que havia um bar em algum lugar por ali e pressupôs que a música viesse de lá. Apurou os ouvidos e conseguiu identificar o cantor. Depois a melodia. Finalmente, a letra. "Olha, vc tem todas as coisas..." Que um dia ela sonhara pra si. Não podia acreditar que, além de tudo, aquela música vinha lhe atrapalhar os pensamentos, eles já haviam ido longe demais e a voz desencontrada de um certo rei só os fazia voar pra mais longe.

Respirou fundo, tentou pensar em outra coisa. Grama verde, flores, casal feliz, "tem os olhos cheios de esperança..." Não dava! Ela tinha que ir embora. Levantou-se finalmente e quase caiu quando percebeu não estar sozinha. Não sabia há quanto tempo ele estava ali. Será que ela pensara em voz alta? Que era mania sua ela sabia, mas será que se traíra assim? Olhou pra ele e tentou achar a resposta. Ele sorria, meio bobo meio triufante. É, ele ouvira tudo, ou alguma parte importante do todo.

Sem ter o que fazer e na falta do que dizer ela o abraçou. Disse que sentira saudade e que havia desistido de esperá-lo. Ele não respondeu a nada. Ela riu nervosa e perguntou-lhe o que estava acontecendo. Nada. Ela então percebeu que esse era um daqueles momentos tão comuns entre eles. Não consigo explicar porque, mas de algum jeito aqueles dois eram muito eloquentes no silêncio e completamente inúteis no palavrório.

A garota calou-se de volta. Um arrepio fê-lo abraçá-la e ela deixou-se estar naquele cheiro que tanto gostava. Ele a conduziu a algum lugar que não sei. Havia uma televisão ali e um sol de papel se punha no fundo da tela enquanto um casal falso se beijava falsamente e declarava seu amor falso em meio a todo aquele papelão. The End. Ele desligou o aparelho. Ligou o som e colocou a música, aquela mesma que tocara no bar.

Era o momento perfeito. À meia luz um cantor antigo tocava, o mesmo cantor de tantas conversas embalava, agora, o meis expressivo silêncio da história daqueles dois.


Isadora Perdigão

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