Criado como forma de catarse, sem o objetivo de agradar nem ofender, apenas colocar pensamentos de uma mente "em cacos" para, com isso, encontrar aquele caco mais brilhante, digno do olhar dos deuses!

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Retórica

19 de abril de 2009

Bom dia, pra mim ao menos. Eu não ia escrever, eu não queria escrever. Imaginei que a publicação da sua carta fosse humilhante demais e que depois daquilo eu não precisaria dizer mais nada. Me enganei! Como castigo àquilo tive insônia, me peguei pensando em você e achei injusto te deixar sem resposta!

Não, eu não tenho pensado sempre em você e acredito que, me conhecendo como conhece, isso não passou pela sua cabeça. O fato é que eu talvez não seja a “Majestade Perfeita” ou a “imperatriz da competência”, será que eu não consigo ser só... mulher? Esse foi o seu erro, o nosso erro! Deixamos de sentir, ou de demonstrar, e caímos numa rotina pesada de disputas e brincadeiras cheias de um ácido que, pouco a pouco, corroeu o que eu esperava de você e de mim.

Eu não te acho um completo idiota, nunca achei. Será que você não percebe que se isso fosse verdade nós não teríamos durado um mês? Você errou quando caiu na armadilha burra e inconsciente de jogar comigo um jogo que, eu sabia, só eu poderia vencer! Não aconteceu nada, ainda te amo e, ao contrário de você, sou capaz de dizer isso sem me emocionar nem pedir nada. A verdade é simples e incompatível conosco. Amar nunca foi suficiente e se tornou um inconveniente enorme pra nossa vida.

Sim, eu gargalhei quando te vi lutando como um tolo por mim aquele dia no bar. Foi a cena mais deprimente da minha vida e eu não acreditava que havia passado tanto tempo com alguém que foi capaz daquilo. Gargalhei sinceramente, mas não ria de você, ria de mim mesma e do grande engano que cometi ao escolher você, ao achar que éramos perfeitos. Naquela noite voltei pra casa e chorei nossos erros. Ninguém viu, ninguém soube. Minhas lágrimas eram suas e eu não sei dá-las a mais ninguém.

Eu senti sua falta, ouvi cada uma das histórias de minhas amigas sobre você e, apesar de saber que você fazia tudo de caso pensado, cada vez que ficava sabendo de você com outra me sentia traída. Depois de um tempo não agüentei, pedi que parassem de me dar notícias suas, pedi que me deixassem lembrar você como alguém digno do que eu te dei, pedi que seguissem em frente e te deixassem no passado como eu fiz. Eu não tenho mais classe pra te ferir por acaso, eu me tornei especialista em te ferir e usava cada oportunidade pra te machucar. Infantilidade? Tentativa de chamar sua atenção? Talvez, talvez eu não estivesse pronta pra deixar você me esquecer. Hoje eu estou.

Você deve estar achando tudo aqui muito previsível, exceto pelo fato de eu estar respondendo. Eu sempre fui muito certa do que queria, sempre fui atrás e lutei por isso. Que mulher forte, que jóia! Quando é que você iria pensar que alguém como eu te quereria? Uma mulher bonita, bem resolvida, trabalhadora, bem sucedida, inteligente e quebrada! Você não percebeu o eu por trás da cortina de qualidades. Aceitar meu teatro foi uma escolha infeliz pra você e pra mim. Às vezes acho que a sua esperança era que eu iria salvar sua vida, te tirar daquela rotina sem sal em que estava imerso. Mal sabia que eu esperava o mesmo de você, silenciosamente.

Tenho certeza que, na minha pressa de escrever essa porcaria de carta, fiz exatamente isso: um porcaria! Eu provavelmente assassinei a sintaxe inúmeras vezes, me esqueci da coesão e me mostrei incoerente e isso deve estar sendo a glória pra você. Não se iluda, isso não significa nada além do desprezo que sinto por você e por aquela carta melancólica e dramática! Por que você fez aquilo? Por que me obrigou a rir, mais uma vez, da minha escolha estúpida? Deixa-me te guardar como algo bom, por favor! Por favor...

Eu não sei se por orgulho ou por medo você não quis contar dos seus dias pós-termino. Eu contarei os meus porque, como disse, não tenho medo da verdade e, de algum jeito, você continua sendo o único que merece o que eu sinto- talvez porque sinta por você. Eu chorei sozinha naquele apartamento enorme por dias. Fumei maços e maços de cigarro pelo puro prazer de me lembrar como você odiava quando eu fumava. Cheguei ao ridículo de beber, sozinha, nossos vinhos prediletos, imaginando que você ainda estava lá. Cozinhei seus pratos preferidos, aluguei nossos filmes e dormi chorando embalada por nossas músicas.

De repente me senti muito pequena, troquei a cama de casal por uma de solteiro e comprei mais travesseiros na tentativa de ocupar seu lugar. Você deve estar se perguntando do “namorado” que desfilava comigo em todo lugar em que nos encontrávamos. Bom, ele era só isso, um namorado de festa, um manequim bem treinado pra me fazer parecer forte. Nunca o trouxe pra casa, homem nenhum dormiu do seu lado da cama, homem nenhum jamais ocupará o seu lugar. Eu estou indo longe demais nas confissões... Como é que você continua fazendo isso comigo? O que há com você que me faz agir assim? Que me faz ser tão frágil, tão segura de conforto? Eu não devia te mandar isso... Acho que vou guardar pra mim essas palavras, quem sabe as retire e mande apenas um bilhete mal criado? Veremos...

Enfim me restabeleci, voltei pro jornal e escrevi freneticamente. Não me diga que não reparou que eu fiquei um tempo sem escrever, eu sei que você ainda me lê, você me vê em cada linha, não é verdade? Lembro-me de você na cozinha, lindo com aquele pijama horroroso, o cabelo todo bagunçado, a cara de sono, xícara de café em uma mão e o jornal na outra. Eu sabia exatamente o que você estava lendo pela sua cara! Quando fazia uma cara muito séria estava lendo o horóscopo escondido e tentando disfarçar porque sabia que eu não acredito nisso. Quando fazia cara de bravo estava lendo sobre política. O caderno de esportes era o meu preferido, seus olhos atentos quase não me viam entrar. Mas quando você lia minha coluna, nossa! Seus olhos brilhavam de orgulho e um meio sorriso se desenhava naquela boca perfeita... Como eu te amava!

Me perdi de novo em nós, isso acontece com uma freqüência quase insuportável. Eu te odeio por isso! Retomando o que dizia antes, voltei a escrever pro jornal e me sentia melhor, quase completa de novo. Foram semanas maravilhosas. Sentia-me forte, renovada, finalmente recuperada e pronta pra recomeçar até que? Você me escreve aquela carta inútil. Quando recebi aquele envelope, sem remetente tive um medo imediato de que fosse você e como eu me senti mal quando percebi que era mesmo.

Experimentei todas as sensações possíveis ao ler sua carta. Tive dó, tive medo, tive raiva e vontade de voltar. Quis te perdoar, mas a carta me mostrava o quão certa estava na minha decisão, você era fraco e eu não sei lidar com isso, eu não posso! Publiquei a carta como um recado pra você, como um pedido desesperado, queria que você sentisse tanta raiva de mim que nunca mais voltasse a pensar em mim! Mais um motivo pra não te procurar, eu sei. Acho que depois DESSA carta eu vou atingir meu objetivo... Você nunca mais quererá ouvir meu nome, que dirá pronunciá-lo. Apesar da dor que isso me causa eu prefiro assim.

Eu não sou boa em demonstrar o que sinto, você sabe. Relendo a carta percebi que, apesar de muito verdadeira, ela parece um relato frio do que aconteceu. Sempre presa a fatos e explicações lógicas. É incrível como conseguimos ir longe apesar de nossas diferenças. Por que de repente tudo parece tão perfeito? Eu não quero pensar que valemos a pena porque, sinceramente, não valemos! Você é quase um veneno pra mim, é uma droga e eu acabei de largar o vício. As lembranças me trouxeram a entorpecencia gostosa de estar com você e é por isso que tenho essa idéia absurda de nós dando certo. Não passa de uma crise de abstinência!

Não tenho mais o que escrever. Espero ter te respondido o que acabou conosco. Não quis te ofender hora nenhuma apesar de, provavelmente, tê-lo feito em alguma parte. Queria poder dizer que nós podemos continuar sendo amigos, mas não podemos. O sentimento que tínhamos/temos um pelo outro não suporta nenhum outro tipo de relacionamento. Esse amor Eros nos fez e nos destruiu e agora tudo o que temos é o passado. Não se lembre de mim. Esqueça-me todos os dias e siga em frente. Tudo o que fomos pertence, agora, ao passado.

Te desejo tudo de melhor, tudo de bom. Não quero te fazer mais mal do que já fiz. Eu não vou responder à sua provocação infantil. Eu jamais perderei meu emprego para uma professorinha de óculos e rabo de cavalo porque eu sou a melhor no que faço. Tente ser você um pouco do que sou e encare o fim como algo saudável. Você precisa crescer e eu seguir em frente! Não levo de nós dois uma saudade. Essa carta foi o ponto final, foi o ponto de recomeço pra mim. Não me procure, não me olhe, não pense em mim.

Um abraço.

P.S.: Você era bom no sexo, sim. Mas eu também já esqueci isso!



Isadora Perdigão

domingo, 19 de julho de 2009

Carta Inútil

Suplemento Literário, Diário Mineiro, 18 de Abril de 2009

Carta Inútil

Sei que é estranho começar uma carta sem vocativo, mas esta assim se faz necessária. Em primeiro lugar por que sempre cumpri à risca minhas promessas, e cumpro a que lhe fiz, na última vez em que nos vimos: a de jamais voltar a pronunciar seu nome. Embora, paradoxalmente, quebre a outra jura feita naquele mesmo dia - a de que iria lhe esquecer. E você não sabe o quanto me custa admitir isso, mesmo que por escrito, mesmo que em particular, mesmo que em pensamento. Dói-me dizê-lo. Mas é a verdade, e contra ela já desisti de lutar. Não há mais fuga para o que sinto, embora essa impossibilidade não torne a confissão mais leve.

Pouparei seu tempo - que julgo precioso ao contrário do que você dizia. Sempre valorizei muito seu trabalho, mesmo que isso significasse uma submissão do meu ser. Quantas vezes não fui deixado em segundo, terceiro plano? Mas ao contrário do que você pensava, eu me sentia, sim, orgulhoso de tê-la ao meu lado. De apresentá-la a meus amigos e poder dizer que além daquilo que eles viam- sua magnífica beleza exterior e natural- de quebra você era independente, bem sucedida, culta – a típica mulher do século XXI, que independe de seu macho para existir. E a apresentava só por protocolo, por educação, pois todos conheciam a jovem que escrevia nos jornais tão perfeitamente, com estilo único. Todos conheciam a promessa que você era. Sentia, a bem da verdade, meu ego inflar-se a cada vez que lhe apresentava como jornalista, como “a” jornalista e, acima de tudo, como minha noiva; como minha, embora você nunca tenha se deixado possuir inteiramente, nunca tenha me deixado dizer que você era “minha”, mesmo que em tom carinhoso, sem uma avalanche de protestos e sermões sobre o fato de ninguém ser de ninguém, e aquelas palestras de 15 minutos sobre o machismo. Coisas que deixavam você incrivelmente mais atraente. Coisas das quais sinto falta. Você era, e creio ainda ser, uma mulher bela, inteligente e extremamente sofisticada e determinada. Orgulharia qualquer homem que estivesse ao seu lado. Como me importar então que não tivesse muito tempo para mim? Bastava saber que você o tinha, nem que fosse pouco, nem que fosse uma hora por dia. Já era motivo de honra. De me vangloriar, de me sentir o melhor de todos. Mas seus atributos não vêm ao caso agora, mesmo porque, você os conhece melhor do que ninguém.

Pouparei seu tempo, dizia eu, e a privarei de ter de enfrentar linhas e linhas de um melodrama barato e talvez copiado de outros livros, desses que vendem na banca à preço miserável, que se espelham em novelas mexicanas. Não isso não combina com você, e nem comigo. Não combina conosco. Embora o “nós” não exista mais, quem dirá o “conosco”. Não, não direi como me senti depois daquele dia, como foram meus dias e minhas noites depois de tudo. Poupo-lhe disso. E posso até ouvi-la me agradecendo. Na verdade, provavelmente, a muito você já parou de ler essa carta. E, caso contrário, se ainda a lê, o faz gargalhando a cada palavra lida. Se sou capaz de me lembrar de sua beleza e inteligência, confesso não ter me esquecido de seu sadismo e frieza. E a cada letra que a caneta desenha nessa folha, sou capaz de vê-la abrindo a boca, jogando a cabeça pra trás, deixando que os cabelos corram soltos pelos ombros, e rindo alto, excitada, como só você sabe fazer, naquele seu gesto tão característico. Aquela risada que só você dá. Como só você faz quando quer ridicularizar alguém.

Mas não, não me julgo ridículo. Já disse, não há motivos para isso. Estou plenamente convencido de que, se há de fato um erro em tudo isso, ele não cabe a mim. Ou não apenas a mim. Haverá uma culpa, afinal? Haverá um motivo? E se há, ou houve, peço que me responda. Sério. Não se trata de uma tentativa desesperada de querer estabelecer um contato com você. De querer que você me responda. Não, quero apenas tentar entender o que se passou entre nós. Quem sabe assim eu não possa parar de me sentir assim. Quem sabe eu não possa parar de sentir? Me libertar de uma vez dos nós que me prendem a você. Dos fantasmas do passado, para usar um clichê. Peço, de novo, e humildemente, como talvez nunca tenha sido com você antes, peço que me explique, se você entendeu o que se passou. E, principalmente, se você, depois de tanto tempo, foi de aceitar. E aqui, imagino que você pare de rir. Me enganei? Acho que não. Não ouço mais seu sorriso torpe. Não vejo mais seus dentes perfeitos. Sua cabeça já não pende para trás. Ou você ainda insiste em ignorar? Ainda se recobre no casco e se afunda por trás da fortaleza de que recorre quando não quer falar, não quer ouvir, o que as pessoas tem a lhe dizer? Fortaleza essa que nós conhecemos bem. Fortaleza essa, que você sabe tanto quanto eu, é falha. Serve mais como enfeite do que como defesa. É estética, não é prática. É arquitetura, não é defesa. É alvenaria, não é rocha sólida. Não é eficiente. É Falha, já disse. Aliás, como tudo em você. Falha e dissimulada. Sempre invejei essa capacidade que você tem de ocultar o que sente. De se fazer passar por algo que não é. Quantas vezes você chorou escondida no meu colo? Quantas lágrimas só eu vi? E quantas pessoas não te achavam forte, impassível? Mas não, você era emotiva. Só disfarçava bem, desconfio que só é fria comigo. Minha Capitu, poderia dizer.

Não, não quero ofendê-la (mais). Não foi pra isso que me prestei a esse papel, ok, vá lá, ridículo - assumo agora, apesar de ter desmentido anteriormente. E, no fundo, não me importo com o como serei tachado por você. Afinal, você já deixou bem claro que não me considera nada de especial. Que não vê em mim nada que me configure como homem. Sou, segundo você, covarde, besta, ignorante e machista. Pode ser, mas se for assim, pior é você, que foi noiva de mim por tanto tempo. Pior é você que foi deixada por mim. Ou teria sido eu o deixado? Não sei definir quem deixou quem. Não sei definir como acabou. E se não fosse por você, não saberia definir se acabou. Tudo sempre foi muito indefinido entre nós. Seria esse um bom motivo?

Verdade também que, desde nossa separação, dizem que eu estou melhor, mais feliz. E creio que você ouve os mesmos comentários. Insinceros talvez. Reconheço que muitos são parte da boa e velha etiqueta, da desesperada tentativa dos amigos de nos estimular. Dizem coisas encorajando-nos, e por trás, sentem pena, chamam-nos coitados, lastimam nossa sorte. Mas dizem em nossa presença frases feitas: A vida continua! Ela não era tão boa! Esquece, já foi! Será? Será mesmo que é tudo tão simples e tão banal? Será que já fomos? Já. Fomos um casal, fomos cúmplices, fomos amantes, fomos completos, fomos muitas coisas, mas posso resumi-las dizendo que fomos felizes. E você tem de concordar comigo, por mais que isso doa em você.

Também não vou falar das noites que passamos juntos. Da falta que o calor do seu corpo me faz. Da falta do seu cheiro, da sua língua, do seu cabelo encostado no meu peito. De acordar com você assim, linda, mesmo quando antes de escovar os dentes. Mesmo quando acordava despenteada, e xingando palavrões porque perdera a hora. Não, não vou falar disso. Mas, uma coisa eu falarei, e agora, será apenas para me auto-afirmar. Para tentar parecer menos submisso a você. Tentar achar que você perdeu tanto quanto eu. Tentar não passar a imagem de alguém que se arrasta e suplica perdão. Se é que minha imagem ainda pode ser salva. Lá vai: Eu era bom de cama! E você já admitiu isso várias vezes. Não importa que vá negar ao ler, ou que ria com escárnio. Se de todo não sente falta do meu cabelo, do meu cheiro, dos meus palavrões. Sente falta do meu corpo. Do nosso sexo. E, isso de certa maneira me conforta. Saber que, alguma coisa você perdeu. Claro, você arrumou outro, desfila com ele todos os dias, e ele pode ser tão bom quanto eu. Mas melhor, me recuso a acreditar. E peço, que se ele for mesmo melhor, não me conte. Não estrague em mim a única vantagem que eu tenho sobre ele. Não corte a esperança que eu tenho. Não me negue a vitória primária entre a competição masculina. Entre machos que disputam a mesma fêmea.

Gozado que, ao escrever, começo a acreditar em muita coisa que você me dizia antes. Vejo, por exemplo, que você tinha razão quando dizia que eu usava períodos muito longos nas frases, e que não conseguia completar uma idéia. Que eu era vago, prolixo, inconclusivo e, muitas vezes, repetitivo. Ok. Assumo. Sinto saudades de você corrigindo meus textos, como se fosse uma professorinha de colegiado de antigamente, com saia, óculos e rabo de cavalo. Não, essa definitivamente não era você. E não posso deixar de rir ao imaginá-la assim. Pode ser que seja um fetiche meu, quem sabe? Sempre gostei de colegiais, e professoras não fogem da idéia. Lembra daquela fez que você se fantasiou pra mim? Mas já disse que não falarei disso. Falemos da realidade, do hoje. E se tenho que pensá-la como magistrada, sua imagem real como pedagoga seria algo que relacionasse medo e palmatória. Castigo. Isso define você. Castigo, vingança e frieza. Dor. E, apesar de tudo, apesar de ofendê-la, de saber quem você é, eu ainda escrevo essa carta.

Escrevo como pedido, de que me explique. Acho que já disse isso, mas tenho preguiça de reler. Então peço – novamente, ou pela primeira vez- que me responda se você desvendou nosso fim. Se faz sentido pra você. Não, não quero seu perdão, e não quero voltar. Quero só o entendimento. Disse que não lhe contaria como foram meus dias depois daquilo, mas, vou me desmentir mais uma vez. E, penso que, se você leu até aqui, é porque ainda nutre algum sentimento por mim. Nem que seja desprezo, como tantas vezes já me jogou na cara. Nem que seja para saciar a sua curiosidade de jornalista. Aliás, bem feito. Fiquei sabendo que não se exigem mais diplomas para ser jornalista. Tomara que perca o emprego. Seja substituída por uma veterinária, por uma engenheira, ou qualquer outra que não tenha nada a ver com jornalismo. Quem sabe uma professorinha de primário? Com saia, óculos e rabo de cavalo. Não seria má idéia te substituir. Não quero seu bem. Não torço por você. Não quero que seja feliz com ele. Quero sua desgraça, sua derrocada, sua queda. Não que isso me torne mais feliz, mas isso te igualaria a mim.

Passei dias maravilhosos no começo. Você deve saber, sempre teve muitas amigas cujo passatempo era informar-lhe sobre o que eu fazia. Encontrei com muitas em festas e boates. E ia sempre às festas que elas iam, de propósito. E fazia questão de cumprimentá-las. De passar na frente delas rindo, de exibir cada noite uma mulher ao meu lado. Como se gritasse silenciosamente para elas: “Olha como eu estou bem, olha como ela não me atinge, olha como estou me lixando pra ela, olha como não preciso dela!”. E sei que elas te contaram tudo, sei que alcancei meu objetivo. Como sei também que você passou a fazer o mesmo, embora menos que eu, e de forma mais discreta. Como cabe a alguém com sua classe. Não, você não virou uma piranha. Você não se rendeu à futilidade e à idiotice as quais me rendi. Você não ficou parecendo, igual a mim, um idiota infantil, um pré-adolescente fazendo ceninhas de ciúmes. E por isso, te odeio. Por que você foi sem mim, o que era comigo. Digna. Perfeita. Em momento algum nossa separação parecia ter te abalado. A fortaleza ali, segura, firme. Mas, nem assim eu acreditei. E até hoje me pergunto quem terá te servido de ombros, uma vez que os meus permaneciam secos. Pode ser que não quisesse reconhecer que você era, de fato, melhor que eu. Passo a achar que nunca te mereci. Chego a pensar em pedir-lhe desculpas por ter sido seu noivo. Por ter maculado sua tão nobre vida. Sua perfeita vida, com tudo de podre e de lixo que eu sou. Mas não peço. Por que sei que, embora pareça, e eu tenha contribuído para isso, nós dois sabemos o meu valor. Não, eu não sou pior que você. E você sabe, embora não vá reconhecer.

É verdade também, que naquele dia em que eu bebi de mais – assim como hoje... Pronto! Achou a justificativa pra carta? Seu cérebro de máquina achou agora um fato lógico pra considerar, em detrimento das emoções, que suspeito, não se dão muito bem com você. Sim, estou levemente bêbado. Levemente. Ainda consigo organizar as frases e não ataco sua amiga, a sintaxe. Naquela noite eu vi você na festa com ele - cujo nome também me recuso a citar, e que hoje ocupa meu lugar (fiz rima, você chamaria de eco, diria que é um erro, transgressão, defeito, sei lá o que mais). Retomo, o período ficou longo, me perdi no que ia dizer, não sou nem mesmo capaz de dizer qual o sujeito da oração. É período composto né? Nunca soube. Nunca precisei. Você sim. Mas, mais uma vez você tem razão, eu me perco em minhas falas. Retomo, dizia que naquela noite em que fiquei tonto e te vi com ele, perdi a cabeça. Óbvio. Você sabe disso. Você estava lá e viu minha idiotice. Não preciso contar, mas o faço. E você deve se lembrar de mim, correndo na direção dele, berrando nem lembro o que (acho que nem eu entendia o que eu tava dizendo, minha língua enrolava, eu babava, cuspia), determinado a acabar com ele. A matá-lo se fosse preciso. E teria feito isso, se não tivesse tropeçado nos meus próprios pés e caído no chão antes de chegar perto dele. Se não tivesse virado a chacota da festa. Se não tivesse sido carregado de lá enquanto todos riam de mim, do babaca, do palhaço, da besta. E confesso que só soube depois, quando me contaram, que todos riram de mim, inclusive ele. Sabe por quê? Por que naquela hora, enquanto todos riam, o único sorriso que eu via era o seu. O pescoço tombado pra trás, a gargalhada alta. O dedo em riste pra mim... E nem assim, me ridicularizando, fui capaz de te achar menos bela.

Enfim, depois de tudo que disse não me dói mais confessar o que pensei quando cheguei em casa naquela noite, ainda bêbado. Não fará diferença mais uma ou menos uma confissão. Quantos pecados ainda terei que contar? Qual será minha penitencia? Quantas ave-marias, quantos pai-nossos? Quem sabe um salve a rainha? Um Salve a você, soberana poderosa e cruel que subjuga todos ao seu redor? “Majestade perfeita”, “Imperatriz da competência”? Senhora suprema da ironia. Viu? Ela não tem tanta graça usada contra você não é? Enfim, naquela noite, eu pensei em terminar com tudo. Em acabar com esse tormento, com essa, desilusão? Posso chamar assim esse problema sem resposta? Cheguei a destampar o frasco dos remédios e ia tomar todos de uma vez – O que os soníferos faziam na minha estante? Já tomava um por noite, porque (mais um pecado confessado) eu não dormia mais direito há um bom tempo, e a eles recorria. Não consegui. Óbvio, você dirá. Você é covarde. É idiota. Sou um verme não foi assim que você disse? Pois é, eu sou. E não fiz. Mas também, por achar que você não merecia minha morte. Você não merece nada, aliás. E sei que, para você, minha morte seria um alívio. Você não teria que pensar em nós todos os dias, e não buscaria desesperadamente as mesmas respostas que eu busco.

No entanto, agora que já me alonguei demais e propositadamente, posso ser mais sincero. Sair da minha máscara de ironia ou de vítima. Assumo agora a razão única pela qual escrevo a carta, não sei se é de fato um pedido de explicação. É antes um outro pedido. Mas esse ficará nas entrelinhas. Não será nunca pronunciado por mim. Tenho horror dessa palavra. Pra mim, ela soa como humilhação, até rima. Comiseração, humilhação e... E não peço claramente, mas sei já fui muito claro. Você já entendeu que eu sim, ainda penso em você todos os dias, todas as horas. Que eu não te esqueci. E aqui entram todos os outros clichês possíveis. Que ainda tenho ciúmes do imbecil ruim de cama que desfila ao seu lado. Que eu ainda me acho superior e o melhor homem para estar com você. Que esse lugar é meu e ninguém mais pode ocupar. Mas não vou falar isso. Nunca assumirei mais do que disse nessa carta e, agora é você quem se senta no genuflexório ou no confessionário, onde for mais confortável para você, e confessa. Assume. Pede misericórdia. Confessa que já entendeu o que eu quero. Já ficou óbvio. E, por isso, acho que posso encerrar a carta.

Mas, assim como não a iniciei com seu nome, poupo-me de assiná-la. Se não há o seu nome, não há por que ter o meu. No fundo, pra mim, um nome não pode existir sem o outro. O meu e o seu. Mas, se de todo, você terminou de ler a carta só por escárnio, possibilidade que eu não descarto, embora se confirmada, me aniquilará. Destruirá tudo que ainda sobre de mim, e se inteiro eu já era um verme, um lixo, em pedaços não consigo imaginar o que serei. Talvez ainda tenha alguns comprimidos. Quem sabe? Não, não é uma ameaça. E arrependo-me de ter escrito isso. Ignore essa frase. Ela não adiantaria com você mesmo. Você gostaria da minha morte, seria seu sossego, e sossego é a única coisa que eu não posso te dar no momento. Se, de todo, a carta não surtiu o menor efeito, o que é uma pena, por que eu realmente me esforcei. Rasgue-a. Ponha-lhe fogo. Não sem antes cuspi-la e escarrá-la. Melhor, dou-lhe uma idéia. Publique-a no seu tão amado e idolatrado (Salve!Salve!) jornal, enquanto não é substituída por uma professorazinha de filme pornô. Como uma crônica, sei lá, pode até dizer que foi você quem escreveu. Não quero que ela seja rasgada, queimada ou coisa assim. Seria esforço demais pra nada. Prefiro antes que seu desprezo por mim, se existente, seja escancarado. Berrado em praça pública. Publicado em Jornal. No entanto, se publicares, poderei achar também que você ainda nutre uma admiração por mim. Pelo menos escrevo bem. Talvez vire escritor. Quantos corações partidos já não se dedicaram à literatura? Não é a decepção a mola impulsionadora da poesia? Se publicar, poderei achar que você, assim como eu, procura uma resposta. Resposta que poderá vir dado por algum leitor atento. Suplico-lhes isso, aliás. Se lerem, tentem me explicar. Tentem explicar. Tentem. É só o que peço. Mas, se eu ler a matéria no jornal, não saberei o que você sente. Desprezo? Ou ainda sente o que sinto por você, e por isso leu a carta até o final? Jamais saberei. Não, não publique. Rasgue. É melhor a certeza do desprezo que a dúvida amorosa. Ou não, publique a carta sim, se o seu autor não pode alcançar os objetivos dela, suplico que ela não morra. Que a obra fique viva, mesmo com o autor em pedaços. Publique-a com o título de Carta Inútil, se assim ela for pra você. Entenderei o recado. O meu está dado. Não assino, deixo apenas, três palavras, que resumem: a carta, eu, você, a confissão e nossa história, mesmo que inutilmente:

Ainda te amo.


João Lúcio Xavier

sábado, 18 de julho de 2009

Inconclusivas linhas crescidas de mim


Ainda que o busque a cada dia com um empenho único, começo a ver que saber-me- ou reconhecer tal sabedoria- é muito mais assustador do que admito. Certamente preciso ter em mim aquilo que me faz ser o que sou, mas entender o significado disso pegou-me desprevenida e, sem mais delongas, assombrou e tomou minha alma nessa tarde calma e morna de julho.

Ser-me dói um pouco todos os dias, mas entrar nisso foi quase insuportável. Não digo que descobri tudo, não o poderia, mas percebi em mim uma vontade genuína de ser e não estar. Saber, deixar as adivinhações pra quem se dedica a faze-las. Hoje sou a mesma de sempre, ou talvez seja outra completamente diferente, a verdade é que sinto-me como ao sussurro suave da brisa que embalou meu dia no balanço infantil de um brinquedo simples de ir e vir e querer voar.

Não dedicarei tempo, imaginação e folhas pra dizer quem habita essa massa identitária que leva meu nome. Não perderei nem mais um instante nesse vago trabalho de me justificar a mim. Escrevo apenas por ser esse meu prazer e hobbie mais sincero. Finalmente escrevo de mim pra mim, sem pretender alcançar ninguém, sem pedir que entendam, sem cobrar algo a quem tem nada.

Também não me peço a arte sublime de escrever como os autores que me inspiram. Dedico-me à simplicidade ingênua de defender uma teoria própria que talvez só se aplique a mim. Auto-conhecimento, conceito tão cobrado, difundido, enaltecido e creditado a mentes que, certamente, não posso competir. Auto-conhecimento, tudo aquilo que me foge e me atormenta por estar aqui e não estar, por ser tão visível a olhos que não são os meus. Auto-conhecimento, exatamente o que não preciso mais, não explicitamente, não declaradamente; quero tê-lo sem saber que tenho e mostrá-lo sem que o percebam. Teria alguém sugestão ou regra que me ajude a alcançar o que almejo? Acho que não...

Sempre fui inconclusiva e isso marca, ao meu ver, boa parte de minha “obra” (coloco entre aspas por não achar competência suficiente para me dizer escritora). Deve ser porque trago o que escrevo pra muito perto de mim, do que penso ou sinto ou vivo ou acredito viver. Fato é que, nesse exato momento, não acho palavras ou dogmas que preencham mais linhas desse texto. A falta de objetivo devorou possíveis idéias que pudessem me socorrer nessa falta de léxico e semântica absurda. Termino, pois, minha matéria discursiva, sem moral e, muito provavelmente, sem sentido. Não espero nada e me sinto feliz por apenas ter podido ter essas linhas tão mais crescidas que eu.


Isadora Perdigão

terça-feira, 7 de julho de 2009

Deserto

Necessidade burra de se envolver no que não devia. Como ser tão baixo a ponto de não saber ficar sozinho? Não saber ser sem um outro em quem se apoiar. Ninguém por perto, coração a mil, deserto ao redor. Não, ele não sabia agir assim. Chorou.

Ela era azul? Não. Ela estava de azul e era linda. Não podia ver seus olhos, mas adivinhava-os negros como os cabelos agitados ao vento. Sua boca inacessível abriu-se em um sorriso que o cegou, tamanha beleza e brancura havia naqueles dentes perfeitos. Ela era toda perfeita.

Ele a conhecia. Deus, ele a conhecia! Mas será mesmo que aquela visão era real? Parecia miragem de um desesperado por, por qualquer coisa que lhe desse um pouco de calor- diria colo, mas daí ele seria triste, carente demais e sou contra exageros. Decidiu-se pela miragem. Seguiu em frente.

Tropeçou, adiante, com os olhos, novos conhecidos, e teve que parar. Parou e achou que a queria. Era loucura, mas ela sorriu. Por que sorrira? Ela não sabia que acabara de prende-lo e perde-lo. Ele não ficaria, não suportava, não podia com esse não. Chorou.

O sorriso sumiu, as mãos macias tocaram seu sofrer e o aqueceram. Uma pergunta inocente perdeu-se no espaço e ele a abraçou. Não um abraço de amigo, não um abraço de amante, um abraço de amor que ficou.

Ela não entendeu e deixou. Não se envolveu com ele nem o quis, mas deixou-se estar e isso valeu. Valeu pra ele como o beijo que não pôde dar, como o encontrar-se que não chegou. Ela valeu, naquele momento, o resto da vida dele.

Isadora Perdigão